Cristalwolf Lobazul
Compreensão e personares
A vida era solitária. Haviam pessoas por perto o tempo todo, sempre há. Mas a vida para mim era solitária. Cheguei ao ponto de pensar que eu tinha algum problema sério por não conseguir ser como as pessoas à minha volta. Meu coração sempre pendia para o lado oposto. O lado “errado”, para as pessoas que me cercavam. E por anos vivi neste sistema binário de “certos e errados”. Com o tempo consegui sufocar bem a minha essência no mais profundo possível de mim mesma até quase me perder completamente entre as máscaras e os sorrisos vazios que eu precisava utilizar todos os dias.

Daí nasceram meus personares. Nas minhas histórias eu podia ser, agir, fazer o que eu quisesse sem ser julgada por isso. Eu podia ser mil personagens diferentes e ao mesmo tempo não ser nenhum. Eu era tudo. Eu era nada. E aquele foi o meu mundinho por muito tempo e meu maior sonho era trazê-lo para a realidade na forma de livros impressos e histórias em quadrinho. Eu queria trazer as pessoas para meu mundo, mostrar tudo que havia de bom dentro dele.
Mas percebi algo crucial ao longo do tempo: Será que as pessoas queriam participar do meu mundo?
O que era maravilhoso pra mim não fazia a menor diferença para as pessoas à minha volta. Todo aquele volume de informação, de pesquisa, arte, entusiasmo, toda a minha vida em histórias e personagens não valiam de nada para terceiros. Exceto para mim. Porque todo esse conjunto era um espelho que me mostrava a minha imagem e semelhança. Era único, perfeito, genuíno. Mas apenas para mim pois nascera da minha mais destilada essência.
Quando descobri isso, meu mundo se abalou. Meu orgulho fora ferido á luz da compreensão. Pois no final das contas, o sonho que eu buscava tornara-se de repente totalmente irrelevante. Não por não ser importante. Mas porque não era verdadeiro.
Não era verdadeiro pois o meu sonho não era se tornar escritora. Era ser reconhecida pelos meus personares, pelas minhas histórias, que só faziam sentido mesmo para mim. Desde então parei de escrever. Por mais que gostasse, eu parei. Pois se não havia sentido exteriorizar isso, para que continuar? Sendo que existiam prioridades maiores neste momento?
Perdeu o sentido pois eu não preciso do reconhecimento de ninguém além de mim mesma. Perdeu a motivação pois não preciso mostrar nada pra ninguém pra me sentir melhor comigo mesma. Tudo não passa de ego. Mas assim como tudo é um e um é tudo, o ego é necessário e desnecessário ao mesmo tempo.
Meus sonhos mudaram á luz dessa compreensão, minhas motivações tornaram-se diferentes. E está tudo bem com isso. Está tudo claro agora. Eu voltei a expor minha arte. Voltei a desenhar. Mas ainda não voltei completamente a escrever minhas histórias. Não sinto necessidade disso ainda, então acho que ainda está tudo bem.
Eu esperava concluir o Crônicas de Sal e Lua em 2017. Mas veja só que interessante, ele é o meu espelho mais verdadeiro. Ele é o mundo que criei. E ele só fará qualquer sentido para o mundo exterior no momento em que eu reencontrar a minha essência completamente. Com ajuda, já consegui restaurar boa parte dela. Mas ainda falta um longo caminho para que eu me torne digna de trazer o Crônicas de Sal e Lua para este mundo.